Oby, o alvo do dia

Parece mentira, cena de filme, novela ou algo do gênero, mas foi real e temos testemunhas que presenciaram cada minuto deste dia atípico e surreal rsrsrsrs. Agora eu consigo rir, mas foi um dia de muito estresse.
Vamos à novela do dia.
Ancoramos o Oby, no último domingo, em Sint Maarten, do lado holandês da ilha, dentro do lagoon (a ilha de Saint Martin ou Sint Maarten é dividida em duas, lado francês e lado holandês. Existe uma ponte que dá acesso a um lagoon no meio da ilha).
A previsão do tempo para a semana era de vento muito forte (30 nós com rajadas de 40). Decidimos ficar dentro do lagoon porque estaríamos mais protegidos tanto da ondulação quanto do vento.
Ancoramos o Oby próximo ao canal de entrada e saída dos barcos para a ponte, numa área destinada a ancoragens.
A segunda feira amanheceu encoberta e o vento já assobiava forte, indicando a entrada da frente fria, prevista pela meteorologia, mas nós estávamos tranquilos na nossa ancoragem com vários outros barcos ao nosso redor.
No final da tarde, um veleiro de 55 pés, jogou ancora entre o Oby e um catamarã (Shangri-lá) que estava ancorado na nossa frente.
Ficamos um pouco preocupados, pois o espaço entre nós e o Shangri-lá não era tão grande e com o vento muito forte, supostamente, deveriam soltar bastante corrente para que o barco não se soltasse. Achamos que onde estavam ancorando, certamente, bateriam na boia de marcação do canal. Mas ficamos quietos apenas observando.
Nossos olhos se arregalaram quando vimos o tamanho da âncora que estavam usando para um barco de 55 pés. Parecia um brinquedinho.
Eram dois rapazes jovens. Percebemos que era um barco de charter e aqueles deveriam ser os skippers do barco.
Simplesmente soltaram a ancora e não realizaram nenhum procedimento básico de ancoragem. Com o auxílio do bote, jogaram uma segunda âncora, menor ainda do que a primeira e foram embora deixando o barco sozinho.
Aquela noite ninguém apareceu no veleiro (Lady Nor), e nem no dia seguinte (terça-feira).
Na quarta feira, no final da tarde, os dois rapazes retornaram e o barco estava batendo na boia do canal, assim como tínhamos previsto.
Decidiram soltar mais corrente e quando vimos estavam a cerca de 5 metros da proa do Oby e indo embora novamente com o bote. Não tivemos nem tempo de chamá-los.
Durante a noite o vento era muito forte e as rajadas ainda mais fortes. Por volta das 2 horas da manhã ouvimos um barulho forte. Pulamos da cama e percebemos que o leme do Lady Nor estava enroscando na nossa corrente. Eles haviam garrado um pouco (quando a ancora é arrastada pelo barco) e estavam bem próximos a nossa proa, cerca de uns 2 metros.
Decidimos então soltar um pouco da corrente do Oby para nos afastarmos deles e para não danificar o leme do Lady Nor (sim, nos preocupamos com outros barcos, apesar de muitas vezes não se preocuparem com o nosso).
Com mais corrente o Oby foi para trás e com o giro causado pelo vento forte ficamos muito perto de um veleiro ancorado ao nosso lado.
Não confortáveis com nossa localização decidimos recolher um pouco mais de corrente e ficar na “metade do caminho”.
Só que na “metade do caminho” tinha um banco de areia. Tinha um banco de areia na “metade do caminho”. rsrsrs
Logo depois estávamos nós encostando a nossa quilha no fundo.
Procuramos uma posição para que não ficássemos muito perto dos outros barcos, não tocássemos o banco de areia e a nossa corrente não danificasse o leme do Lady Nor.
Foi uma noite terrível, quase não dormimos.
Esperamos o dia todo pela chegada dos dois skippers para que removessem o barco da nossa frente.
Mas isto não aconteceu. Eles não aparecerem.
Entrei na internet e fiz uma pesquisa para descobrir quem era o dono do veleiro. Descobri que ele havia participado de um rally na travessia do Atlântico e consegui o nome do skipper.
Pesquisei na internet pelo nome e descobri o telefone.
Liguei de imediato, mesmo sabendo que na Europa já era noite. O barco é registrado na Croácia e carregava uma bandeira de tripulação da Suécia.
Um jovem senhor atendeu e me disse já ter sido skipper do barco e me aconselhou a procurar a companhia de charter responsável, na Suécia.
Após nova pesquisa encontrei o contato na Suécia, mas já era muito tarde e certamente o escritório estaria fechado naquele momento.
Decidi que a primeira coisa que faria na manhã seguinte seria ligar no escritório na Suécia para tentar achar os irresponsáveis pela ancoragem.
Vocês devem estar se perguntando, porque vocês não levantaram ancora e ancoraram em outro lugar?
Pois é, poderíamos ter feito isso se o Lady Nor não estivesse em cima da nossa corrente. Não tínhamos com sair.
Na manhã seguinte acordei cedo e vi que o Lady Nor estava a menos de 2 metros da proa do Oby. Perto demais.
Preparei algo para comer e ouvi o barulho de um bote se aproximando. Saí rapidamente pensando ser um dos skippers, mas não, era o Robert, o dono do catamarã Shangri-lá.
Vendo a distância pouco segura entre nós, nos ofereceu ajuda para amarrar um cabo do Lady Nor até uma pequena poita que estava próxima. Assim ficaríamos mais tranquilos e o veleiro não viria mais para trás se aproximando ainda mais do Oby.
Enquanto Daniel e Robert faziam a amarração eu tentei ligar na empresa de charter na Suécia, mas sem sucesso. Tentei então na mesma empresa, mas com sede na Croácia e Cristina, uma simpática atendente, me passou o telefone do responsável pelo barco na Suécia.
Liguei várias vezes, mas novamente, sem sucesso. Deixei recado na caixa postal solicitando que retornassem a ligação com urgência.
Passado algum tempo sem nenhum retorno, decidi ligar novamente para a Croácia e Cristina mais uma vez muito solicita me perguntou o que estava acontecendo e eu expliquei detalhe por detalhe.
Ela se propôs a também tentar contato com a Suécia, assim como eu e também tentaria contactar o dono da empresa na Croácia.
Apesar da amarração do Lady Nor na poita, nós continuávamos perto.
Decidimos então ir a bordo do Lady Nor e tentar caçar mais o cabo que o conectava à poita.
Daniel preparou uma “redução” para aumentar a força e facilitar quando fosse caçar o cabo e eu fui com o Ybytu (nosso bote) por trás do Lady Nor e comecei a empurrá-lo. Robert, do Shangri-lá, viu e veio para nos ajudar. Robert com o bote dele e eu com o Ybytu empurrávamos com todo motor o Lady Nor avante para Daniel caçar o cabo, mas o veleiro não se movia.
O vento era forte contra e o Lady Nor estava encalhado.
Naquele momento não tinha mais o que fazer. Decidimos tocar nosso dia e esperar até alguém aparecer.
Precisávamos retirar o nosso gerador do paiol, colocá-lo no Ybytu e levá-lo para consertar.
Como é muito pesado, pedimos ajuda para o Fabio do veleiro Odoiá e para o Leo do Alaussa.
Fabio chegou primeiro no Oby e quando viu o Lady Nor tão perto convenceu o Daniel a irem a bordo, ligarem o motor e tentar colocá-lo mais para frente.
Enquanto isso, eu tentava ligar para o cara na Suécia novamente. Mas ninguém atendia.
Liguei novamente para Cristina e disse que nossa corrente estava danificando a quilha e o leme do barco deles e que Daniel e Fabio estavam a bordo do Lady Nor com os motores ligados tentando tirar o barco dali.
Daniel deu motor avante para que Fabio cassasse o cabo da poita e da âncora, mas o barco nem se mexia.
Decidimos então tentar recolher a âncora do Oby dando a volta pelo Lady Nor para desenroscar a corrente da quilha, mas não obtivemos sucesso. Foi uma manobra arriscada e estressante, pois as rajadas eram muito fortes, os barcos ficaram muito próximos.
Abortamos a tentativa e segundos depois um dos skippers do barco apareceu.
Segundo ele, o capitão do lady Nor era o outro skipper que não estava na ilha naquele momento, pois havia saído para fazer um charter com outro barco.
Stephan, o skipper que veio verificar o que estava acontecendo, mergulhou para ver onde estava nossa corrente. Descobriu que não estava enroscada na quilha, mas estava a menos de meio metro dela.
Resolvemos então retirar o Lady Nor dalí.
Quem disse que ele queria sair?
Totalmente encalhado, não mexia um centímetro.
Leo e Stephan ficaram a bordo do Lady Nor, Daniel e Fabio pegaram uma das adriças que vinha do topo do mastro e com o bote começaram a puxar o cabo para ver se o barco enclinava e assim desencalhava.
Eu fiquei no Oby, sozinha, dando avante com o motor para tirar toda a tensão da corrente, assim quando o Lady Nor se movesse não arrastaria nossa corrente, nos puxando junto.
Como dizem, besteira pouca é bobagem!
Quando o Leo puxou a ancora do Lady Nor ganhou de brinde uma corrente com dois baldes cheios de concreto.
Eu do Oby assistia a cena de camarote e não acreditava no que via.
Depois de algum tempo eles conseguiram soltar os baldes. Mas o Lady Nor não se movia.
Os meninos já estavam quase desistindo quando me veio uma idéia a cabeça.
Sugeri a eles que abrissem a genoa. Com o vento forte, certamente o barco adernaria e seria puxado para a frente.
E foi o que fizeram. Em minutos o Lady Nor estava desencalhado flutuando no canal do Lagoon.
Quatro experientes velejadores e a idéia surgiu da única mulher por ali. Tô me achando kkkkkkkkk
Daniel e Leo decidiram ajudar Stephan a docar o barco na marina.
Fabio convenceu Stephan a nos pagar o almoço.
Enquanto Daniel e Leo ajudavam Stephan, Fabio veio me buscar para nos encontrarmos na marina para o almoço.
Eu conversava com o Fabio no cockpit e vários barcos começaram a circular pelo canal. A ponte abriria em alguns minutos. Megayachts, veleiros de todos os tamanhos esperavam pela abertura.
Acha que já foi muita emoção para um dia só?
Preparem-se, o dia não acabou!!!
Escuto algumas vozes e olho pela popa do Oby, um veleiro, na espera pela abertura da ponte, resolveu adentrar na área de ancoragem e encalhou a cerca de 10 metros atrás do Oby. Conseguiram sair rapidamente e eu respirei aliviada…até olhar para a proa do Oby e ver um veleiro de mais de 50 pés passando a menos de 5 metros da nossa proa. Achei um absurdo, pois o vento era forte, a nossa corrente estava bem esticada com as rajadas e qualquer problema aquele barco seria jogado para cima do Oby. Fui para o deck, já furiosa, e fiquei observando.
E adivinhem o que aconteceu???
O veleiro encalhou a menos de 5 metros da nossa proa.
Eram dois senhores e uma senhora, a qual até aquele momento dirigia o barco.
Após o encalhe, passou o timão para o senhor, que abriu a genoa para retirar o barco dali.
Até aí tudo perfeito, se não tivessem aberto a genoa para o lado errado.
Daniel que saia com o bote para encontrar o Lady Nor que o esperava no meio do canal para ajudar na ancoragem passou ao lado do veleiro encalhado e disse para o senhor abrir a genoa para o outro lado e seguiu para o Lady Nor. Eu na proa do Oby enfatizei para que ele mudasse o lado da genoa.
Nesse meio tempo, enquanto eles não agiam, a genoa aquartelou, o barco começou a andar um pouco para trás aproximando-se ainda mais do Oby.
Aquele monstro desencalhou, girou com o vento, com a genoa toda cassada e começou a navegar para cima do Oby.
Nesse momento eu já estava na proa colocando as defensas e berrando para aqueles “sem noção” soltarem a genoa e darem ré.
Fabio tb falava para que soltassem a genoa. Mas eles não soltavam.
Nesse momento a “senhora” que estava a bordo saiu do cockpit, cruzou os braços e começou a me agredir verbalmente, me mandando calar a boca, que eles não haviam feito de propósito e para eu ficar quieta.
Minha paciência que já não era muita àquela altura, desapareceu.
Falei que a única coisa que ela deveria dizer naquele momento era “desculpa” e que soltasse a porcaria da genoa, porque o barco continuava vindo em direção ao costado do Oby e o estrago seria grande.
Finalmente soltaram a genoa e a menos de um metro do nosso costado aquela proa enorme, com uma ancora pendurada, parou.
Meu coração estava na boca e minha irritação com aquela senhora louca era tamanha que levaram muitos minutos para eu me acalmar.
Daniel que ia no Lady Nor para a marina viu de longe a cena, pulou no bote e veio voando. Mas quando chegou tudo já estava resolvido, menos meu estresse e raiva por aquela senhora rsrsrs.
No final, Leo ajudou Stephan a docar o Lady Nor na marina, Daniel, Fabio e eu fomos encontrá-los.
Almoçamos, ou melhor, jantamos todos juntos e voltamos para o Oby, exaustos, para uma merecida noite de sono.
Nosso super obrigado aos nossos amigos, Fabio do veleiro Odoiá, Leo e Ross do veleiro Alaussa e Robert do catamarã Shangri-lá.

 

Vídeo da baia de Simpson Bay – St Maarten: